"O testamento não é apenas negócio de atribuição de bens, sendo um ato de eficácia múltipla, já que serve a diversos objetivos do testador. Dentre eles, encontram-se interesses de natureza existencial do autor da herança.
Há dificuldades para se enquadrar as situações jurídicas existenciais no fenômeno sucessório, predominantemente assentado no princípio da patrimonialidade, na medida em que são as situações jurídicas patrimoniais aquelas que são passíveis de transmissão por morte. Apesar disso, diante do vasto conteúdo do testamento, é preciso dar especial atenção às disposições testamentárias que dizem respeito à esfera pessoal e existencial do testador, sendo certo que estas são heterogêneas e de conteúdos variados. Por essa razão, não é possível uniformizar a sua disciplina. Afinal, as expressões da autonomia privada têm fundamentos diversificados, na medida em que repercutem na esfera patrimonial ou existencial do agente, encontrando o “denominador comum na necessidade de serem dirigidos à realização de interesses e de funções que merecem tutela e que são socialmente úteis”.
[Direitos da personalidade]
Apesar de o testamento não ser o único documento hábil para a manifestação de vontade post mortem quanto a aspectos decorrentes da personalidade do agente, este é sede profícua para tanto, podendo o testador determinar diretrizes quanto ao exercício e defesa dos atributos de sua personalidade, estabelecendo, por exemplo, orientações quanto à publicação de obras inéditas, quanto à utilização de seu nome, imagem e voz em programas ou propagandas, dentre outras. A Lei nº 9.610/98 bem exemplifica a verificação da vontade da pessoa quanto a aspectos inerentes à sua personalidade com eficácia post mortem, ao determinar, expressamente, em seu artigo 55, parágrafo único, o respeito da vontade do autor em caso de falecimento antes de concluir a obra, vedando a publicação parcial quando assim tiver sido a vontade manifestada pelo autor.
[Ponderações dos interesses diante de disposições testamentárias de cunho existencial]
No entanto, tendo em vista que qualquer manifestação da autonomia privada está submetida ao juízo de licitude e de merecimento de tutela, o testador poderá encontrar alguns limites, também deduzidos a partir da ponderação dos interesses em questão. Ilustre-se com o direito à imagem; ainda que haja determinação expressa do testador proibindo a veiculação de sua imagem, esta poderá ser divulgada sempre queindispensável à afirmação de outro direito fundamental que deva preponderar no caso concreto, como o direito de informação."
Fonte: Tepedino, Gustavo; Nevares, Ana Luiza Maia; Meireles, Rose Melo Vencelau. Fundamentos do Direito Civil (p. 308-311). Forense. Edição do Kindle.
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