Advogado de família fala sobre a igualdade dos filhos na sucessão legítima
- Dr. Paulo Ladeira
- 24 de mar. de 2021
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"[Lei da sucessão]
Por tradição, no direito brasileiro sempre vigorou a norma segundo a qual se aplica à sucessão a lei vigente no momento da sua abertura (CC16, art. 1.577; CC, art. 1.787). Tamanha a sua importância que nas Disposições Finais e Transitórias do Código Civil estatuiu-se que as disposições relativas à ordem de vocação hereditária não se aplicam à sucessão aberta antes de sua vigência.
[Desigualdade sucessória]
Sob a regência do Código Civil de 1916, apenas a filiação chamada legítima possuía plenos direitos sucessórios. Os filhos adulterinos e incestuosos não podiam ser reconhecidos e, portanto, não possuíam direitos sucessórios (CC16, art. 358). Inicialmente, tinham direitos sucessórios os filhos legítimos, os legitimados, os naturais reconhecidos e os adotivos (CC16, art. 1.605). O Decreto-Lei nº 4.737/1942 permitiu o reconhecimento do filho adulterino após o desquite, e a Lei nº 883/1949 ampliou a possibilidade de reconhecimento do filho adulterino após qualquer causa de dissolução da sociedade conjugal. A concorrência entre filhos de origem diversa, entretanto, atribuía-lhes direitos sucessórios distintos. Os filhos naturais reconhecidos na constância do casamento tinham direito à metade do quinhão que coubesse aos filhos legítimos ou legitimados que concorressem com eles (CC16, art. 1.605, § 1º); os filhos adulterinos reconhecidos tinham direito, a título de amparo social – não como herança – à metade da herança que viesse a receber o filho legítimo ou legitimado. Somente a partir da Lei nº 6.515/1977 os filhos legítimos e ilegítimos foram equiparados para efeitos sucessórios, ao alterar a redação do artigo 2º da Lei nº 883/19493. A equiparação não abrangeu a filiação adotiva. Quando o adotante possuía filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, a relação de adoção não abrangia direitos sucessórios (CC16, art. 377)5. Ao filho adotivo em concorrência com filho legítimo superveniente à adoção cabia apenas metade da herança cabível a este (CC16, art. 1.605, § 2º). O artigo 377 do Código Civil de 1916, na redação que lhe foi atribuída pela Lei nº 3.133/1957, não foi revogado tacitamente pelo artigo 51 da Lei nº 6.515/77. A vigência do preceito prolongou-se até o advento da Constituição de 1988, que não o recepcionou.
[Igualdade sucessória]
A Constituição de 1988 inaugura nova concepção de família. Por conseguinte, modifica-se também a proteção destinada aos filhos, inclusive para efeitos sucessórios. A igualdade se mostra presente como um dos pilares dessa família constitucionalizada, presente tanto para o casal quanto para os filhos. Para sepultar em definitivo qualquer distinção entre filhos decorrente da origem da filiação, o § 6º do artigo 227 estabelece que “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”, instituindo o princípio da unidade da filiação. Desse modo, tornou-se inconstitucional (rectius, não foi recepcionada pela ordem constitucional) a classificação dos filhos em legítimos e ilegítimos, bem como a desigualdade de direitos entre eles. O constituinte se preocupou em incluir expressamente a adoção no espectro da igualdade entre filhos, tão forte era o menoscabo usualmente dirigido aos filhos adotivos. O estatuto constitucional da filiação reflete filiação una, igualitária, qualquer que seja sua origem. Os descendentes ocupam a primeira ordem dos sucessíveis, sem excluir o cônjuge ou o companheiro que eventualmente concorram com os descendentes nos termos da lei civil (CC, art. 1.829). O parentesco se constitui pela consanguinidade ou outra origem (CC, art. 1.593), o que amplia sobremaneira a noção de filiação e assim de descendência. Descender significa originar-se, provir por sucessivas filiações. A sucessão dos descendentes, portanto, diz respeito à sucessão dos parentes em linha reta descendente, sem limite de grau, não importando a origem da filiação. Para exercer o direito sucessório basta o registro da filiação. Em nada importa se o critério do estabelecimento da filiação foi o jurídico, o biológico ou socioafetivo. Por esse motivo, a ausência do registro de filiação impõe que a petição de herança seja cumulada com ação de prova da paternidade ou maternidade. Qualquer que seja a origem da filiação, o direito sucessório será o mesmo, como consequência da igualdade dos filhos assegurada constitucionalmente (CR, art. 226, § 7º)."
Fonte: Tepedino, Gustavo; Nevares, Ana Luiza Maia; Meireles, Rose Melo Vencelau. Fundamentos do Direito Civil (pp. 144-145). Forense. Edição do Kindle.