Existe diferença entre renĂșncia e dispensa aos alimentos?
- Dr. Paulo Ladeira
- 1 de fev. de 2020
- 5 min de leitura
Atualizado: 16 de out. de 2020
Art. 1.707. Pode o credor nĂŁo exercer, porĂ©m lhe Ă© vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crĂ©dito insuscetĂvel de cessĂŁo, compensação ou penhora.
A dispensa, permitida pela letra da lei, significa apenas o nĂŁo exercĂcio de um direito. A renĂșncia, por outro lado, Ă© a declaração vinculante que impede uma pessoa de exercer um direito. A respeito da polĂȘmica histĂłrica a respeito da renunciabilidade ou nĂŁo dos alimentos, citamos uma sĂ©rie de doutrinadores, para que o leitor possa ter uma visĂŁo do que ocorre. Paulo LĂŽbo, por exemplo, Ă pĂĄgina 375, de seu livro Direito Civil- FamĂlias (4ÂȘ edição):
A renĂșncia aos alimentos carrega histĂłria de intensas controvĂ©rsias na doutrina e na jurisprudĂȘncia, cada lado com argumentos razoĂĄveis. Antes do CĂłdigo Civil de 2002, os tribunais brasileiros adotaram o entendimento majoritĂĄrio da inadmissibilidade da renĂșncia, quando se tratasse de relação de parentesco, permitindo se a eventual dispensa nĂŁo definitiva, em razĂŁo de equilĂbrio das condiçÔes econĂŽmicas das partes envolvidas. Quanto aos ex--cĂŽnjuges, a renĂșncia Ă© admitida como irrevogĂĄvel, atĂ© porque, com o divĂłrcio cessa o casamento e o correspondente dever de assistĂȘncia, nĂŁo sendo razoĂĄvel que os alimentos permaneçam, quando nĂŁo mais existente seu fundamento. A SĂșmula 379 do STF considerava invĂĄlida a renĂșncia na dissolução conjugal, mas atenuou seu alcance, posteriormente, admitindo a renĂșncia quando o ex-cĂŽnjuge ficasse com bens e rendas suficientes para sua subsistĂȘncia. A 3ÂȘ Turma do STJ, por unanimidade, seguiu orientação positiva, admitindo que âa clĂĄusula de renĂșncia de alimentos, constante de acordo de separação devidamente homologado, Ă© vĂĄlida e eficaz, nĂŁo permitindo ao ex- -cĂŽnjuge que renunciou, a pretensĂŁo de ser pensionado ou voltar a pleitear o encargoâ (REsp 701.902)372. Ocorre que o art. 1.707 do CĂłdigo Civil, inovando o direito brasileiro jĂĄ consolidado, estabeleceu que âpode o credor nĂŁo exercer, porĂ©m lhe Ă© vedado renunciar o direito a alimentosâ. NĂŁo houve qualquer especificação ou exceção de credor, alcançando os parentes e, tambĂ©m, os ex-cĂŽnjuges e os ex-companheiros. Consequentemente, alĂ©m dos parentes, os ex-cĂŽnjuges e ex-companheiros podem dispensar os alimentos sem renunciĂĄ-los, exigindo-os quando houver necessidade, salvo, seguindo a orientação que jĂĄ tinha sido firmada no STF, quando tiver ficado com bens ou rendas suficientes para se manter, por ocasiĂŁo da separação. Fora desta Ășltima hipĂłtese, qualquer clĂĄusula de renĂșncia, apesar da autonomia dos que a celebraram, considera-se nula, podendo o juiz declarĂĄ-la de ofĂcio. Para as renĂșncias ocorridas antes de 2003 (inĂcio da vigĂȘncia do CĂłdigo Civil), persiste o enunciado da SĂșmula 336 do STJ: âA mulher que renunciou aos alimentos na separação judicial tem direito Ă pensĂŁo previdenciĂĄria por morte do ex-marido, comprovada a necessidade econĂŽmica superveniente
[Nota de rodapĂ© nÂș 373 do livro]: Em sentido contrĂĄrio ao nosso entendimento, a III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal, em 2004, aprovou o seguinte enunciado: âO art. 1.707 do CĂłdigo Civil nĂŁo impede seja reconhecida vĂĄlida e eficaz a renĂșncia manifestada por ocasiĂŁo do divĂłrcio (direto ou indireto) ou da dissolução da uniĂŁo estĂĄvel. A irrenunciabilidade do direito a alimentos somente Ă© admitida enquanto subsista vĂnculo de Direito de FamĂliaâ.
Bertoldo Oliveira Filho, em seu livro "Alimentos - Teoria e Pråtica" apresenta a distinção a partir da pågina 43, com uma opinião razoavelmente diferente da de Paulo LÎbo:
"A faculdade de se ajustar na separação judicial por mĂștuo consentimento a dispensa unilateral ou recĂproca dos alimentos nĂŁo impede a postulação futura no caso de necessidade superveniente desde que o pretendente nĂŁo tenha sido contemplado com bens suficientes ou garantindo, de outro modo, a sobrevivĂȘncia independente. A principal circunstĂąncia para o acolhimento de um pedido posterior de socorro alimentar se apoia nĂŁo apenas na relatividade da desistĂȘncia Ă Ă©poca, mas em uma hipossuficiĂȘncia futura que nĂŁo pode ser atribuĂda ao cĂŽnjuge dispensante por inĂ©rcia ou comodidade. Ă o que a jurisprudĂȘncia e a doutrina, mesmo distinguindo a dispensa da renĂșncia, evidenciam como pressupostos legais simultĂąneos para a concessĂŁo do direito. [...] A dispensa de alimentos em separação judicial por mĂștuo consentimento nĂŁo importa em abdicação do direito, que passa Ă sujeição de ulterior mudança do estado factual do acordo, e equiparando-se ao pensionamento simbĂłlico tem o color de autĂȘntica ação revisional para o acolhimento no efeito somente devolutivo do recurso interposto da sentença que fixa a assistĂȘncia sucumbencial (arts. 14, da Lei 5.478/68 e 520, II, do CPC). O cabimento da renĂșncia aos alimentos provenientes do casamento segue tormentoso na vigĂȘncia do novo CĂłdigo Civil, que declinou de detalhamento sobre o assunto na redação do artigo 1.707: "Pode o credor nĂŁo exercer, porĂ©m lhe Ă© vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crĂ©dito insuscetĂvel de cessĂŁo, compensação ou penhora". O legislador optou por uma modificação mĂnima no texto revogado do artigo 404, revalidando a divergĂȘncia havida com a SĂșmula 379, do Supremo Tribunal Federal. ("No acordo de desquite nĂŁo se admite a renĂșncia a alimentos, que poderĂŁo ser pleiteados ulteriormente, verificados os pressupostos legais"). O entendimento sumulado nĂŁo obteve a acolhida dos civilista, destacando-se, entre tantos outros, Washington de Barros Monteiro e SĂlvio Rodrigues, sendo que para o Ășltimo os alimentos irrenunciĂĄveis sĂŁo aqueles derivados de parentesco, ao passo que em se tratando de casamento, a renĂșncia Ă© vĂĄlida e irretratĂĄvel. A doutrina prestigiada majoritariamente nos tribunais considerou a indisponibilidade apenas incidente na relação jus sanguinis, motivando a explicitação de sĂșmula, mantida por maioria, para restringir a incidĂȘncia do enunciado e excluir o pedido posterior feito pelo renunciante que, Ă Ă©poca, anuiu Ă convenção em razĂŁo de possuir bens ou rendas garantidores da subsistĂȘncia.  Atualmente a jurisprudĂȘncia considera vĂĄlida e irretratĂĄvel a renĂșncia aos alimentos derivados do casamento, nĂŁo bastando Ă sua desconstituição a inocĂȘncia e pobreza do interessado. Deixando de incidir corriqueiramente na hipĂłtese a clĂĄusula rebus sic standibus, a pretensĂŁo hĂĄ de ser internada com evidĂȘncia de vĂcio na manifestação de vontade (art. 171, II, CC), na forma do artigo 486, do CĂłdigo de Processo Civil.[..]"
Cahali, à oitava edição de seu livro "Dos Alimentos", afirma às påginas 233-240:
"Ă irrelevante a distinção entre "dispensa e renĂșncia, ainda que esta tivesse constado do acordo de separação, mesmo assim, verificada a modificação das condiçÔes econĂŽmicas das partes, o ex-cĂŽnjuge necessitado poderĂĄ valer-se da ação especial de alimentos da Lei 5.478/1968, visando rever o acordo. [...] Conforme serĂĄ visto no local adequado, a irrenunciabilidade dos alimentos tem em vista a continuidade do estado conjugal, estando dissolvida apenas a sociedade conjugal; desse modo, a retratação do cĂŽnjuge renunciante deverĂĄ ocorrer anteriormente Ă conversĂŁo da separação judicial em divĂłrcio, quando entĂŁo estarĂĄ dissolvido o matrimĂŽnio."
Washington de Barros Monteiro, no volume 2 de seu Curso de Direito Civil, p. 450, por sua vez, segue a mesma posição:
"A regra constante do artigo 1.707,, assim, volta ao regime da referida SĂșmula, o que Ă© um retrocesso, que precisa ser corrigido [...]. Esse retrocesso vem sendo corrigido por meio da interpretação de que somente sĂŁo irrenunciĂĄveis os alimentos enquanto subsistir o vĂnculo conjugal, cabendo a renĂșncia no divĂłrcio, assim como na dissolução de UniĂŁo EstĂĄvel. Segundo essa interpretação, descabe a renĂșncia apenas na separação judicial."
TambĂ©m a favor da renunciabilidade se manifesta Rolf Madaleno, citando decisiva jurisprudĂȘncia a respeito, Ă pĂĄgina 909, da 5ÂȘ edição de seu Curso de Direito de FamĂlia.